A beleza está nos olhos de quem vê

Pra mim, era uma aventura à parte.

Uma aventura barata: conseguia ir e voltar pro projeto em Hunchaquito por algo em torno de R$ 1,00. O preço era o mesmo caso quisesse ir para o Shopping, um pouco mais longe. Às vezes, o cobrador aumentava uns 50 centavos, mas logo questionava e ele, dizendo que não havia entendido, se retratava. Se eu quisesse visitar a cidade vizinha, Trujillo, uns 30 minutos dali, que reservava muita história viva, o preço subia para uns R$ 1,50, mais ou menos. Ainda assim, uma aventura barata.

Na verdade, não tinha nada de aventura nisso. Só pra mim, talvez. Adorava pegar o ônibus e observar as pequenas coisas que tanto me encantam nas minhas viagens.

A Ponte de Huanchaco

Fico a umas três ou quatro casas do muro que protege o aeroporto. Escutar as turbinas faz minha alma viajante não descansar muito. Não em função do barulho dos aviões, porque destes eu sempre gostei. Passaria dias inteiros em aeroportos. Gosto de perder tempo ali, observando aqueles longos abraços cheios de sonhos, cheios de medos, abraços transbordando amor. Mas se pudesse, ficaria lá do lado de fora, perto da pista. Sempre tive uma inexplicável paixão por aviões. Ficaria lá na pista, pertinho daquelas incríveis máquinas que rasgam os céus de lugares que talvez eu nunca visite.

O que me faz não descansar é muito mais forte do que isso. Dizem os cientistas, que perfumes e cheiros nos fazem reviver nossas memórias mais antigas. Eu concordo. Mas o efeito que esse som das turbinas causa em mim é tão grande quanto o efeito do olfato. Meu coração acelera descontroladamente. E eu também nem tento controlar. Sinto como se eu estivesse embarcando no avião toda vez que os escuto decolar, porque na decolagem normalmente o som é maior.

Aqui em Huanchaco, como em muitas outras cidades do Peru, os ônibus param onde for preciso. Não existem pontos de ônibus. Aliás, existem, mas eles não param só lá. Eles param sempre que alguém levanta o braço antes da sua passagem. E se não levantar, o cobrador ainda certifica-se de que você não quer tomá-lo. Isso porque quanto mais passageiros o ônibus levar, maior é o lucro para ser dividido entre ele, o motorista, o dono do ônibus, se caso ele não seja o próprio motorista. O custo da licença para a empresa é fixo.

No bairro Las Lomas, onde vivo por esse mês e meio, só existe asfalto em uma ou outra rua, o resto tudo é areia batida. Elas conectam o bairro ao centro da cidade e à praia, onde existem diversos pequenos restaurantes no melhor estilo paraíso do surf. A cidade é famosa pelas ondas, e tem um por do sol difícil de se descrever.

A poeira vem levantando. Os rangidos desses ônibus maltratados, a buzina, que é acionada tanto quanto – ou mais que – o próprio pedal de embreagem, e o cobrador, que com a metade do seu corpo pra fora grita os principais pontos onde o ônibus passará, avisam os pedestres da sua chegada. Tudo isso faz com que seja possível os perceber com certa antecedência. Alguns eminentes passageiros fazem uns 100 metros razos e usam aquela energia extra para correr até a esquina e tomá-lo em tempo. Outros, um pouco mais afastados, gritam “péra, péra” para segurá-lo mais alguns segundos. Se o passageiro está muito longe, parte-se sem ele mesmo, porque para eles, às vezes, tempo é dinheiro.

Me perco um tempo observando adesivos, colagens e outros diversos tipos de ornamentos que estão em volta do motorista. Tudo se acomoda sobre o capô que cobre o motor do ônibus, desde malas até cadeirinha de rodas de bebês. Tudo sempre para dar mais espaço e acomodar mais pessoas. É difícil acreditar que o motorista não sofra algum tipo de lesão, ele precisa esticar quase que completamente o seu braço para fazer a marcha. A porta, que dificilmente é fechada, é acionada mecanicamente através de uma alavanca pertinho do câmbio.

É bem louvável a educação que os Peruanos têm, em geral, dentro dos ônibus. Quem julga pelas condições de pintura, de comodidade ou até de limpeza, não faz ideia quão cordialmente são tratados idosos, mulheres grávidas, crianças e pessoas com qualquer tipo de limitação dentro deles. Quando o ônibus não acomoda mais passageiros sentados, crianças levantam dos seus lugares antes mesmo de qualquer pessoa sequer embarcar completamente no ônibus. Uma coisa tão simples mas que diz muito dessa cultura do respeito pelos mais velhos e da ajuda que vi por aqui.

É muito curioso a forma como os cobradores dos ônibus saem correndo em determinados pontos da cidade para carimbar uma espécie de “cartão ponto”. Eles pulam do ônibus ainda em movimento, colocam um dos braços para dentro de um buraco que normalmente está no muro de alguma loja ou casa, e carimbam um papel que seguram com a outra mão. Não conseguia imaginar a utilidade daquilo. Meu irmão da casa me explicou que aquilo era uma forma do motorista saber a distância, em tempo, que ele estava do ônibus que passara por aquele ponto antes dele. Dessa maneira ele podia acelerar para pegar mais gente, se estivesse longe, ou tirar o pé para dar tempo de acumular mais passageiro, caso o ônibus estivesse muito perto. Quando fui à Lima e Cusco não vi a mesma prática e pensei que talvez aquilo fosse coisa de cidade pequena.

Umas quadras antes de chegar ao destino, o passageiro se aproxima do motorista ou do cobrador e indica onde quer parar. Acontecia às vezes de eles indicarem um outro lugar só para confirmar, como eu não entendia bem o espanhol logo quando cheguei, sempre tive sorte nessa roleta-russa e parava bem onde precisava. Eu conhecia o projeto como “Casita de Madera” e nada mais. Mas ninguém ali sabia o que isso significava. Enquanto tem gente descendo, ele grita “baja, baja, baja” (leia-se baha baha baha).

Pegar ônibus nesse mês e meio no Peru, era uma aventura pra mim. O reggaeton estava sempre tocando nos alto-falantes, me fazendo batucar na perna incoscientemente. Às vezes até ensaiava jogar um ombro pra frente enquanto o outro ia pra trás. É sério! Esse ritmo é contagiante. Só via referências boas ali naquele ambiente simples, e daí a beleza dessa aventura. Quando carregava a câmera, então, as pessoas ficavam curiosas e me questionavam o que eu estava fazendo, se eu trabalhava para alguma revista, ou algum programa de televisão. A gentileza das pessoas, ainda no tumulto de um ônibus pequeno completamente cheio de gente, num calor sufocante de uma região super árida, era algo que me fazia pensar muito em como o Brasil era diferente. Bom, pelo menos na cidade onde eu morava.

 

2 Replies to “A beleza está nos olhos de quem vê”

  1. Letícia Gonçalves says: Responder

    Adorei, Gabs! Também adoro observar os detalhes, e sem dúvida as viagens de ônibus me trouxeram bons aprendizados sobre cultura local! E me identifiquei com o seu sentimento em aeroportos! <3

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