A aventura Chilena. Parte 3: a primeira trilha e a primeira carona no Chile

Estrada da Ruta 68 que liga Santiago ao litoral, Valparaíso e Viña del Mar

Quando falei dos meus planos para o meu host de Santiago ele ficou muito animado! Tivemos muito tempo para conversar, já que a uma noite planejada tornou-se quase uma semana inteira. Ele me mostrou muitos lugares conhecidos somentes pelos locais e me acompanhou a outros já bem turísticos, mas o Sergio conhecia muito bem a cidade e contava a história de cada prédio que íamos encontrando ao longo das nossas caminhadas.

No dia anterior à trilha, Sergio me levou no “La Piojera”, ou, em português, a piolheira (de piolho). O lugar é conhecido por ser o berço de uma bebida chamada Terremoto. Uma bebida doce, refrescante, que leva sorvete, vinho e Fernet, bastante comum no Chile. Dizem que o nome surgiu ali mesmo, depois de um grande terremoto em 1985, e ganhou esse nome em homenagem – se é que se pode dizer isso – ao acontecimento. O fato é que depois de uns dois ou três destes você fica andando tal como se estivesse acontecendo um terremoto.

Quando me viram filmando e tirando fotos, começaram a fazer brincadeiras, como se fossem aparecer num documentário ou algo assim. Mas não, só no blog mesmo, por enquanto…

A primeira trilha no Chile

Já no final da minha estadia, fizemos uma trilha de um dia, mais ou menos, o que me motivou ainda mais a procurar mais trilhas nas próximas cidades onde eu iria passar. Como disse no início dessa série, meu objetivo era de fazer coisas “inéditas” pra mim: viajar de carona, fazer longas trilhas, acampar em lugares desconhecidos, esse tipo de coisa. Embora já tivesse viajado de carona com pessoas totalmente desconhecidas na Bélgica, já tivesse feito trilhas e acampado em Bombinhas, aqui perto de Balneário Camboriú, eu nunca tinha viajado com esse objetivo definido.

Por isso eu estava muito ansioso! Saímos de casa bem cedo, eu, Sergio (o host) e Elí, o amigo Porto Riquenho do Sergio que estava passando uns dias em Santiago também, e pelo caminho o Sergio vinha nos falando um pouco sobre a cidade e por onde estávamos indo, o que me deixou ainda mais animado pra fazer a trilha. Pegamos metrô, ônibus, praticamente cruzamos Santiago até a zona periférica da cidade, e ainda andamos um bom pedaço pelo asfalto mesmo, sob o sol infernal e o clima seco do Chile, até chegar ao Parque Quebrada de Macul, que já fazia parte da Cordilheira que cerca Santiago.

A trilha toda foi sensacional e durou perto de cinco horas, mais ou menos, até chegarmos na entrada do Parque, na volta. O Sergio já conhecia bem esse lugar, o que me deixava mais tranquilo visto que a sinalização das rotas era bem fraca, quase inexistente a partir de certo ponto. O caminho completo tem quase 20km e leva até o Cerro La Cruz, numa altitude de 2.500 metros acima do nível do mar. O Sergio já tinha ido até lá, mas como o nosso condicionamento físico, meu e do Elí, não era lá isso tudo, acabamos ficando “pelo caminho”. A trilha é simples, nada de “abrir mato” ou de cruzar rios ou pedras, mas mesmo assim é considerada moderada pelo grau da subida. Na verdade, já nos primeiros 300 metros eu já estava bem cansado (baita aventureiro!).

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Duas horas e pouco depois, mais ou menos a mil e quinhentos metros de altitude, optamos por tentar achar um lugar para tomarmos um banho. Esse foi, pelo menos pra mim, um dos pontos altos do passeio todo. Saímos da trilha e pegamos um caminho bem pouco aberto e íngreme para encontrar um lugar que possibilitasse a nossa descida. Eu me sentia, ali, um verdadeiro explorador, procurando novos lugares e abrindo novas trilhas. Depois de uns tombos e esfolões pelo corpo, encontramos um lugar para relaxar. A primeira coisa que eu fizemos foi tirar nossos tênis, reabastecer nossas garrafas de água – a água do degelo dos Andes é tão boa quanto a que tomamos engarrafada – e comer nossas barras energéticas. Eu arrisquei ainda mergulhar meu corpo na água gelada. Sofri, mas fiz.

Logo em seguida caminhamos um pouco acima até encontrar as piscinas. Tentei, com mais sofrimento, mergulhar na piscina gelada. Mergulhei. Ficamos ali por mais algum tempo até iniciarmos a volta. Os meus tênis estavam ó, supimpa!

A primeira carona no Chile

Foi o Sergio mesmo que me deu algumas dicas de onde era o melhor ponto para buscar “un aventón”. No Chile é bem comum se encontrar mochileiros – e se quiser falar como os Chilenos, fale “Motchileros” – pedindo carona em acostamentos e postos de gasolina na beira da estrada. Eles chama a carona de “aventón”, ou “hacer dedo”, que literalmente signifca “fazer dedo”, o símbolo global (eu acho que é global) para quem pede carona.

Saí de casa, comprei uma água e fui, de metrô, até o ponto mais próximo de onde ele tinha me indicado. Meio sem referências e bastante atrapalhado, carregando a mochila grande nas costas, o tripé no ombro, a máquina em punho e a mochila das lentes e outros aparatos no peito, tomei a direção errada e, achando que estava no lugar certo, decidi parar, largar todas as tralhas protegidas à sombra de uma árvore grande logo ali e esticar o braço em busca da carona. Deixei minha mochila propositalmente com as bandeiras viradas para a rua na esperança que endossassem o meu pedido. Passaram muitos carros.. muitos mesmo. Os motoristas sequer olhavam para mim. Um ou outro passageiro me avaliaram e esboçaram até algum tipo de reação, mas nada mais além do esboço mesmo.

Todos queriam aparecer no meu "documentário".
Todos queriam aparecer no meu “documentário”.

Comecei a desconfiar que aquele não era o lugar certo, e então tomei tudo no ombro novamente e fui caminhando para a direção que eu achava ser a certa. Ainda com a câmera no pescoço, acoplei o disparador automático que tinha comprado exclusivamente para aquela viagem e apoiei o conjunto na mochila da frente, liguei tudo e saí andando em busca de outro lugar. Depois de andar um pouco, abordei um taxista e perguntei para qual lado se ia à Valparaíso. Ele deu risada, olhou para minha mochila e disse, ainda com um sorriso: “entre no carro, te dou uma carona até um ponto bom para conseguires carona”. Pelo menos foi isso que eu tinha entendido…

Meu espanhol era muito – MUITO – básico, do tipo “donde és”, “como se llega”, “me llamo”, “mi nombre és”, “me gustaria”, “como te llamas”, “hola”, “que tal”, “buenas noches”, “buenos dias”… basicamente era esse meu vasto vocabulário. Mas mandava muito bem no Portunhol e isso me deixava tranquilo pra viagem.

Me certifiquei de que aquilo seria uma carona realmente e que ele não iria me cobrar a corrida. Disse que eu não tinha dinheiro – eu tinha dinheiro, só não pretendia gastá-lo com  taxi – e entrei, espantado com tamanha gentileza do senhor.

Depois de mais algumas andanças na zona periférica da cidade, finalmente decidi ir para a beira da estrada, literalmente. Minha resistência em fazer isso se deu somente pelo fato de achar um tanto perigoso ficar à beira de uma estrada rápida pois poderia facilmente ocasionar um acidente. Fui para o acostamento, uns 150 metros depois de uma saída de Santiago, pela Ruta 68, conforme me haviam indicado alguns locais. Se os carros entram na pista lentos, existe uma chance maior de que olhem pra mim e me dêem carona, certo? Nem tanto.

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Muitos faziam sinal positivo pra mim e toda vez que isso acontecia, eu me animava pensando que fossem parar. Mas acho que no fim só estavam tentando me encorajar. Um carro passou bem devagar, ainda pelo acostamento e eu o acompanhei com a cabeça, um sorriso estampado no rosto e o dedo indicando o lado que eu queria ir. Mais uns metros depois eles pararam e engataram a ré. Me animeie fui correndo pegar minha mochila, mas assim que a coloquei nos ombros, o carro parou novamente, engatou a primeira e partiu, me deixando ali, rindo sozinho daquilo tudo.

AHAHAHAHA, eu não posso nem ficar brabo porque foi engraçado mesmo! Talvez eles até tenham filmado e em breve vou fazer sucesso no Youtube com algum meme.

Deixei minha mochila no asfalto novamente e uns 10 minutos depois uma camionete, que vinha pela estrada, fez sinal e entrou no acostamento. Agarrei ela e saí correndo, mas dessa vez o carro ficou me esperando. Fiquei nervoso e ao me aproximar da janela, não sabia nem o que dizer pro motorista, quando saiu um tremido e desafinado – e possivelmente  muito engraçado de se escutar – “Voy a Valparaíso… o camiño…. “. O motorista respondeu que ia pra algum lugar que eu não entendi qual, mas confirmou que era caminho, então eu, todo atrapalhado, dei um jeito de abrir a porta traseira e jogar tudo ali pra dentro.

Ele me explicava todos os principais aspectos geográficos da região, o clima, as vinícolas, tudo. Ele tinha uma empresa – pelo que entendi – de pisos, então vendia, instalava e fazia a manutenção de pisos em casas e apartamentos. Acostumado a viajar bastante, procurava dar aventón para mochileiros sempre que possível. Gostava muito, disse ele, porque sempre tinha a oportunidade de escutar diferentes histórias, conhecer jovens e ajudá-los a chegar aos seus destinos. A viagem era curta, cerca de uma hora e meia até Valparaíso, mas o papo foi tão bom que passou muito rápido.

Nesse ponto você deve estar se perguntando: “Mas que papo? Tu não falava espanhol!”. Bom, na verdade o papo foi ele me falando um monte de coisa e eu concordando. Concordando como se estivesse entendendo tudo! Volta e meia eu até me arriscava numa exclamação “Noooo, verdad?!!!”, mas não conseguia entender muitos detalhes daquilo que ele me contava. Ah, quando surgia a oportunidade e ele me perguntava, eu até arriscava a falar um pouco sobre o Brasil, do Sul, de Santa Catarina, no meu espanhol muy bueno. Sempre tentei fugir dos assuntos clichês de Brasileiros, mas é inevitável não comentar sobre a Seleção Brasileira de Futebol, sobre o Carnaval e sobre as praias do Nordeste, que nunca visitei mas que sei bem como devem ser bonitas. Inevitável porque sempre acabam perguntando. Eu tentava, com meu espanhol misturado com italiano, explicar pra ele as belezas e a imensidão do Brasil.

Ele me deixou perto de um ponto de ônibus urbano, de onde fui para o centro de Valparaíso achar um hostel.

One Reply to “A aventura Chilena. Parte 3: a primeira trilha e a primeira carona no Chile”

  1. Nuno Pedro Fernandes says: Responder

    ahahah “Yo voy a Valparaiso… el camino…”

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